Novos ventos para o curtailment
A recente manifestação de alguns dos diretores da ANEEL renovou o debate acerca do tema do curtailment dentro da Agência. De acordo com esses diretores, a ANEEL teria esvaziado o Decreto 5.163/2004 ao regular o tema, comprometendo o princípio da imperatividade da norma. Propuseram a abertura de consulta pública para rediscutir a Resolução Normativa (REN) 1.030/2022, que trata das hipóteses de ressarcimento por curtailment, mas foram voto vencido.
Referido posicionamento mostra a divisão dentro da própria Agência em um tema que tem afetado materialmente os agentes geradores. Os prejuízos das restrições já somam mais de R$ 1,5 bilhão e tem impactado o resultado das empresas do setor.
Após a ANEEL ter conseguido suspender a liminar que obrigava o ressarcimento a determinados associados da ABEEOLICA e da ABSOLAR, uma empresa do setor conseguiu, recentemente, nova liminar, que a protege dos efeitos das restrições até que a Agência delibere sobre seus processos administrativos. Ainda que seus efeitos sejam limitados, a liminar abre caminho para novas decisões semelhantes e pressiona ainda mais a ANEEL.
A Agência tenta se esquivar dessa discussão propondo uma nova maneira de dividir os prejuízos entre os agentes. Conforme discutido na Consulta Pública 45/2019 (cuja terceira fase encerrou-se há duas semanas), pretende-se que, no caso dos cortes por razão energética impostos aos geradores eólicos, fotovoltaicos e hidráulicos com vertimento turbinável localizados nos submercados Norte e Nordeste, haja o rateio econômico da geração frustrada entre todos esses agentes, na proporção de suas garantias físicas. O mesmo valeria para os empreendimentos localizados nos submercados Sul e Sudeste/Centro-Oeste. A ideia seria repartir os ônus dos desligamentos de modo isonômico, algo que pode ser questionado em razão do histórico de cada usina e do nível de restrições previsto em seus respectivos pareceres de acesso. Se aprovada dessa forma, a norma certamente será contestada por agentes que hoje sofrem menos cortes.
Soma-se ainda a esse contexto a abertura da Consulta Pública 09/2025, que visa finalizar a regra de comercialização para ressarcimento das usinas fotovoltaicas, nos termos da REN 1.030/2022, com as inclusões feitas pela REN 1.073/2023. Ainda que não se espere grandes novidades (até porque inexistiria grande volume de ressarcimento a ser realizado na esteira da referida norma), com a regra aprovada, a CCEE começaria finalmente a realizar os ressarcimentos.
Por fim, o tema também passou a pautar a agenda do MME. Na semana passada, o Comitê de Monitoramento do Setor Elétrico (CMSE) – presidido pelo Ministro de Minas e Energia e integrado por membros do Ministério, ANEEL, ANP, CCEE, EPE e ONS – aprovou, em reunião extraordinária, a criação de grupo de trabalho para coordenar ações, realizar diagnóstico e propor medidas para mitigar o curtailment.
Em um contexto de poucos projetos de geração novos devido ao baixo preço da energia, de alto custo de capital e de ausência de margem de escoamento, o tema do curtailment passa a ser o mais relevante para as empresas de geração. Depois de cerca de dois anos com muitos cortes e pouca movimentação do lado da Agência, o nosso sentimento é de que as peças estão começando a se movimentar para a definição de uma nova matriz de riscos relacionada ao tema.