Regulação a conta-gotas?

A Diretoria da ANEEL abriu Consulta Pública para discutir eventual postergação do início de execução dos CUSTs dos empreendimentos que aderiram ao regramento da MP 1.212/2024.

Recorde-se que a MP 1.212 permitiu que houvesse a extensão de 48 para 84 meses do prazo para implantação dos empreendimentos, para fins de obtenção do desconto na TUST. Isso significou um benefício a 601 usinas (25 GW de potência) que aderiram à MP.

Sob a perspectiva administrativa, os empreendimentos de geração eólica e fotovoltaica devem ser implantados em 54 meses (cf. REN 1.071/2023). Para conciliar o prazo de implantação previsto na MP 1.212 (para fins de desconto na TUST/D) com aquele disposto na regulação, a Portaria MME 79/2024 estabeleceu que caberia à ANEEL “adequar as outorgas”, o que foi feito por ocasião do Despacho 3.195/2024.

Nenhum desses diplomas normativos, incluída a MP 1.212, deram tratamento ao prazo de início de execução dos CUST. Poder-se-ia assumir, assim, que os empreendimentos beneficiados pela MP teriam de iniciar o pagamento do encargo pelo uso da rede (EUST) na data prevista no respectivo contrato, podendo, nos termos da regulação (REN 1.069/2023), prorrogá-lo por até 12 meses, desde que: (a) solicitada a prorrogação até o dia 31 de março anterior ao ciclo tarifário da data originalmente contratada; e (b) realizado pagamento de um encargo mensal progressivo, no valor inicial (1º mês) de 1/12 EUST e final (12º mês) de 12/12 EUST.

Por outro lado, muitos agentes interessados sustentam que, dado o regramento excepcional trazido pela MP 1.212, os empreendimentos beneficiados deveriam receber tratamento igualmente excepcional em seus CUSTs. Nesse sentido, a ABEEÓLICA solicitou à ANEEL que fosse dado “tratamento específico na regulamentação para que os empreendimentos abarcados pela MP1.212/2024 possam postergar os seus CUST por um período superior a 12 meses”.

A área técnica da ANEEL se manifestou contrariamente ao pleito, mas também apresentou uma proposta para o caso de a Diretoria se posicionar a favor da postergação dos CUSTs: os agentes deveriam pagar um encargo mensal progressivo, semelhantemente ao que já existe hoje para a postergação por 12 meses. Para discutir a questão, a Diretoria abriu a Consulta Pública 28/2024, com duração de 15 dias, a qual se encerrará em 08 de novembro.

Melhor seria se a MP 1.212 ou a Portaria MME 79/2024 tivessem esgotado as dúvidas sobre o tema, com regramento específico sobre o início de execução dos CUSTs. Independentemente das razões – desarticulação entre as autoridades envolvidas ou atuação ativa dos agentes do setor –, a ausência desse regramento fez com que a decisão final coubesse ao regulador.

A ANEEL costuma reafirmar a inexistência de vinculação legal entre os prazos de implantação dos empreendimentos e a data de início de pagamento do EUST. Assim, a decisão a ser tomada pela Diretoria estaria dentro do seu chamado “juízo de conveniência e oportunidade”. É dizer: ela tem liberdade para escolher qual tratamento regulatório será aplicado ao caso.

Caso seja aprovado um tratamento excepcional, pode-se prever que os empreendimentos não beneficiados pela MP 1.212 também reivindicarão, por isonomia, a possibilidade de postergarem o início de execução de seus CUSTs, alegando que não haveria justificativa para esse regramento atender apenas os empreendimentos beneficiados pela MP 1.212.

E, com essa regulação “a conta-gotas”, o setor compromete a sua segurança jurídica, prejudicando a previsibilidade necessária para a realização de investimentos de longo prazo.

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